Contos de Natal
Um dos contos de Natal mais
lido é "A menina dos Fósforos". As crianças devem ter desde cedo
a perceção que o mundo não é perfeito, por isso estas histórias são importantes.
Deixo aqui hoje a adaptação do conto "A menina dos fósforos" que foi
lido e visualizado no Clube de Leitura. O mesmo encontra-se afixado no nosso placard da escola para que todos se deliciem com a história. Após breve discussão, os alunos
reinventaram o conto, atribuindo-lhe um final feliz.
A menina dos fósforos
Estava tanto frio! A neve não parava de
cair e a noite aproximava-se. Aquela era a última noite de Dezembro, véspera do
dia de Ano Novo. Perdida no meio do frio intenso e da escuridão, uma pobre
rapariguinha seguia pela rua fora, com a cabeça descoberta e os pés descalços.
É certo que ao sair de casa trazia um par de chinelos, mas não duraram muito
tempo, porque eram uns chinelos que já tinham pertencido à mãe, e ficavam-lhe
tão grandes, que a menina os perdeu quando teve de atravessar a rua a correr
para fugir de um trem. Um dos chinelos desapareceu no meio da neve, e o outro
foi apanhado por um garoto que o levou, pensando fazer dele um berço para a
irmã mais nova brincar.
Por isso, a rapariguinha seguia com os
pés descalços e já roxos de frio; levava no avental uma quantidade de fósforos,
e estendia um maço deles a toda a gente que passava, apregoando: — Quem compra
fósforos bons e baratos? — Mas o dia tinha-lhe corrido mal. Ninguém comprara os
fósforos, e, portanto, ela ainda não conseguira ganhar um tostão. Sentia fome e
frio, e estava com a cara pálida e as faces encovadas. Pobre rapariguinha! Os
flocos de neve caíam-lhe sobre os cabelos compridos e loiros, que se
encaracolavam graciosamente em volta do pescoço magrinho; mas ela nem pensava
nos seus cabelos encaracolados. Através das janelas, as luzes vivas e o cheiro
da carne assada chegavam à rua, porque era véspera de Ano Novo. Nisso, sim, é que
ela pensava.
Sentou-se no chão e encolheu-se no canto
de um portal. Sentia cada vez mais frio, mas não tinha coragem de voltar para
casa, porque não vendera um único maço de fósforos, e não podia apresentar nem
uma moeda, e o pai era capaz de lhe bater. E afinal, em casa também não havia
calor. A família morava numa água-furtada, e o vento metia-se pelos buracos das
telhas, apesar de terem tapado com farrapos e palha as fendas maiores. Tinha as
mãos quase paralisadas com o frio. Ah, como o calorzinho de um fósforo aceso
lhe faria bem! Se ela tirasse um, um só, do maço, e o acendesse na parede para
aquecer os dedos! Pegou num fósforo e: Fcht!, a chama espirrou e o fósforo
começou a arder! Parecia a chama quente e viva de uma candeia, quando a menina
a tapou com a mão. Mas, que luz era aquela? A menina julgou que estava sentada
em frente de um fogão de sala cheio de ferros rendilhados, com um guarda-fogo
de cobre reluzente. O lume ardia com uma chama tão intensa, e dava um calor tão
bom! Mas, o que se passava? A menina estendia já os pés para se aquecer, quando
a chama se apagou e o fogão desapareceu. E viu que estava sentada sobre a neve,
com a ponta do fósforo queimado na mão.
Riscou outro fósforo, que se acendeu e
brilhou, e o lugar em que a luz batia na parede tornou-se transparente como
tule. E a rapariguinha viu o interior de uma sala de jantar onde a mesa estava
coberta por uma toalha branca, resplandecente de loiças finas, e mesmo no meio
da mesa havia um ganso assado, com recheio de ameixas e puré de batata, que
fumegava, espalhando um cheiro apetitoso. Mas, que surpresa e que alegria! De
repente, o ganso saltou da travessa e rolou para o chão, com o garfo e a faca
espetados nas costas, até junto da rapariguinha. O fósforo apagou-se, e a pobre
menina só viu na sua frente a parede negra e fria.
E acendeu um terceiro fósforo.
Imediatamente se encontrou ajoelhada debaixo de uma enorme árvore de Natal. Era
ainda maior e mais rica do que outra que tinha visto no último Natal, através
da porta envidraçada, em casa de um rico comerciante. Milhares de velinhas
ardiam nos ramos verdes, e figuras de todas as cores, como as que enfeitam as
montras das lojas, pareciam sorrir para ela. A menina levantou ambas as mãos
para a árvore, mas o fósforo apagou-se, e todas as velas de Natal começaram a
subir, a subir, e ela percebeu então que eram apenas as estrelas a brilhar no
céu. Uma estrela maior do que as outras desceu em direção à terra, deixando
atrás de si um comprido rasto de luz.
«Foi alguém que morreu», pensou para consigo a menina;
porque a avó, a única pessoa que tinha sido boa para ela, mas que já não era
viva, dizia-lhe muita vez: «Quando vires uma estrela cadente, é uma alma que
vai a caminho do céu.»
Esfregou ainda mais outro fósforo na
parede: fez-se uma grande luz, e no meio apareceu a avó, de pé, com uma
expressão muito suave, cheia de felicidade!
— Avó! — gritou a menina — leva-me contigo! Quando
este fósforo se apagar, eu sei que já não estarás aqui. Vais desaparecer como o
fogão de sala, como o ganso assado, e como a árvore de Natal, tão linda.
Riscou imediatamente o punhado de
fósforos que restava daquele maço, porque queria que a avó continuasse junto
dela, e os fósforos espalharam em redor uma luz tão brilhante como se fosse
dia. Nunca a avó lhe parecera tão alta nem tão bonita. Tomou a neta nos braços
e, soltando os pés da terra, no meio daquele resplendor, voaram ambas tão alto,
tão alto, que já não podiam sentir frio, nem fome, nem desgostos, porque tinham
chegado ao reino de Deus.
Mas ali, naquele canto, junto do portal,
quando rompeu a manhã gelada, estava caída uma rapariguinha, com as faces
roxas, um sorriso nos lábios… mor ta de frio, na última noite do ano. O dia de
Ano Novo nasceu, indiferente ao pequenino cadáver, que ainda tinha no regaço um
punhado de fósforos. — Coitadinha, parece que tentou aquecer-se! — exclamou
alguém. Mas nunca ninguém soube quantas coisas lindas a menina viu à luz dos
fósforos, nem o brilho com que entrou, na companhia da avó, no Ano Novo.
Hans Christian Andersen
Os melhores contos de Andersen
Editora Verbo, s/d
Adaptação